Quando entrei no carro estava curiosa para saber como ele encaixaria aquelas asas enormes e o corpo ao mesmo tempo no assento, então fiquei observando. As asas atravessaram o encosto do banco e o assento, parecendo imateriais.
- Uau! – Soltei sem querer. Ele virou-se para mim.
- O que foi? - Interrogou.
- Suas asas atravessaram o encosto, ao contrário de seu corpo. Como faz isto? – Expliquei e perguntei ao mesmo tempo.
- Você vê asas em mim? – Ele pareceu chocado e ao mesmo tempo preocupado.
- Sim. Enormes e muito brancas. E você brilha também. – Acrescentei rápido.
- Dizem que artistas têm uma mente extremamente fértil, mas asas??? – Ele tinha demorado alguns segundos para dizer isto.
- Está insinuando que imagino as asas? E o que diz disto? – Estendi a mão para tocar as penas mais próximas. Meus dedos atravessaram o branco como se não existissem. Tentei pegá-las mais algumas vezes. Nada!
- Isto o quê? – Ele disse tentando não rir.
- Pare! Não posso tocar, mas estou vendo. Você sabe que estou dizendo a verdade! – Exclamei, mas não havia nada a fazer realmente. Não podia provar que existiam. Tinha certeza do que estava vendo e hoje estava descansada e tranqüila. Não poderia culpar um hipotético stress por esta visão. Mas, será que existiam mesmo? Estava começando a duvidar. Ninguém as via e seu dono estava negando existirem.
- Hum rum. - Ele concordou como se não quisesse discutir com alguém que via asas.
- “Droga! Será que estou mesmo imaginando coisas?” – Pensei sem saber mais o que dizer.
- Foi por isto que saiu correndo naquele dia?
- Foi. Pensei que era um Anjo da Morte que estava vindo para me levar ou que já tinha morrido
- Hahaha! – Ele riu com gosto sem conseguir mais se conter. Cruzei os braços no peito, furiosa, com vontade de estapeá-lo. Ele estava tentando se controlar e afinal conseguiu.
- Desculpe. – E piscou para mim. – Deve ser mesmo assustador ver um Anjo da Morte caminhando em sua direção – O canto de seus lábios tremeu com a risada presa. Não conseguiu por muito tempo e acabou rindo novamente. Fiquei olhando, tentando manter a raiva, mas era difícil. Seu riso era muito contagiante e estava quase rindo junto.
- Desculpe novamente. – Disse quando conseguiu parar, enxugando os olhos com as mãos. – Você falou algo a respeito de brilho?
- Não vou dizer mais nada. Você vai rir novamente.
- Certo. Esquecemos este assunto então? – Propôs.
- Por enquanto. – O que podia fazer? Continuava vendo suas asas e seu brilho. Não era ofuscante, de cegar, mas estava lá. Uma luminescência branca, por vezes prateada, como se uma nuvem de minúsculas lâminas destas cores o envolvesse. Era diferente e bonito. As pessoas deviam ser todas luminosas assim. Sorri ao imaginar um mundo colorido, cada um com sua nuvem.
Ele deu partida no carro e saímos devagar pela estrada já um pouco escura. Postes esparsos distribuídos ao longo do caminho não o iluminavam completamente.
- Antônio fez bem em pedir a você que me levasse. – Estava contente mesmo. Não apenas por isto. Tirando esta coisa das asas e do brilho era ótimo não estar só. E melhor ainda que fosse ele ao meu lado. Aproveitei que estava concentrado dirigindo para observar quietinha, sentindo o calor agradável que vinha de seu corpo e aquela beleza irreal.
Seus cabelos eram pretos e bagunçados. “Devem ser macios como nuvens” - Pensei. A pele tinha uma tonalidade diferente, branca e suave. Não parecia pele de verdade. Mesmo que não fosse transparente e parecesse ser sólida, achei que afundaria se a tocasse ou que minha mão atravessaria para o outro lado, como aconteceu com as asas. Então lembrei que ele tinha me tocado por duas vezes na cabana. Seu toque era firme e quente. Agradável.
Todos os traços eram perfeitos e harmônicos. Nada grande ou pequeno demais. Exceto os olhos, imensos, não sabia ainda se verdes ou azuis. Talvez uma mistura de ambos, como a cor do mar na enseada. Turquesa. E a boca, grande também e carnuda. O nariz bem feito, a testa reta, maçãs do rosto não muito proeminentes. Tudo na medida exata. “Perfeito.” - Pensei.
Pescoço alto, ombros largos, braços musculosos, mas não demais. Impressão de força e energia. O peito reto e poderia apostar como haveriam gominhos de músculos próximos ao abdomen.
“Ah, meu Deus, isto não vai bem!" – Fechei os olhos para readquirir equilíbrio antes de prosseguir. Pernas longas e grossas, certamente musculosas, e como os braços, não demais, apenas na medida exata.
“Até os dedos dos pés são bonitos! Estou perdida!” – Suspirei. Voltei o olhar para cima e Adriel estava me observando e sorrindo.
- Já terminou o inventário? – Perguntou. Abaixei novamente os olhos sentindo minhas faces queimarem. Então fiz a única coisa honesta e possível nesta situação: levantei os olhos, sorri abertamente e disse:
- Já. Você é mesmo uma perdição de lindo! – Que se danasse a compostura. Jamais conseguiria resistir a tanta beleza e se ele fosse mesmo um anjo o inferno era líquido e certo para mim.
Ele riu e o som de sua risada era uma música deliciosa.
Texto registrado no Literar
Imagem: montagem minha de Edward e asas de XerStock
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